Por Cristiano Bodart
O sujeito deve aprender
a refletir a maneira pela qual deve constituir a si mesmo “enquanto sujeito
moral de suas próprias ações”, já dizia o grande filósofo francês
Michael Foucault.
Família pobre e
descendentes de escravos, nasceu em Paracatu, noroeste de Minas Gerais. Teve
que compartilhar o pouco que tinha com sete irmãos mais novos. O pai pedreiro
e, posteriormente, dono de uma pequena olaria. Forçado pela condição social,
aos 10 anos já tinha que se fazer adulto carregando lenha. Estudava em uma
escolinha pública. Certa ocasião teve que parar de estudar porque a diretora
baixou uma norma cobrando mensalidade, o que era impossível para a sua família.
Apenas um ano depois pode voltar a estudar.
Sua mãe,
semianalfabeta, era dona de casa. Pouco podia fazer para ajudar
nas despesas da família. Complicando ainda mais sua condição
socioeconômica, ainda criança, seu pai abandonou a família e os filhos. Aos 16
anos teve que ir sozinho, empurrado pela pobreza, para uma cidade grande. Foi
para Brasília ser mais um negro a lavar banheiros.
Se somos frutos de
nossas experiências sociais, qual caminho tomou esse garoto negro, pobre e só,
em um centro urbano? Se envolveu com criminalidade? Tornou-se dependente
químico? Esse garoto, frente a desestrutura familiar e à vida um tanto dura,
foi pressionado a um posicionamento no mundo. Sua mãe havia plantado no
interior dele o desejo de transformar sua própria realidade social. Optou por
estudar e ter uma realidade socioeconômica diferente. Dividia o tempo entre os
bancos escolares e a faxina no TRE do Distrito Federal. Terminou o Ensino
Médio, passando a ser o arrimo da
família.
Posteriormente arrumou um emprego em uma gráfica. A renda aumentou, mas ainda
era pouca para ele e a família lá em Minas. Devido a necessidade da família foi
trabalhar também no Jornal de Brasília acumulando dois empregos em uma jornada
de 12 horas/dia. Mais tarde, trocou os dois por um. Passou a trabalhar na
Gráfica do Senado das 23h às 6h da manhã. Terminado o experiente do trabalho ia
direto para Universidade de Brasília, cursar direito. O único aluno negro da
turma tinha que se esquivar do sono, da intolerância e da discriminação.
Algumas vezes foi retirado da sala por cochilar.
Terminou o bacharelado
em Direito na Universidade de Brasília, onde, em seguida, cursou o mestrado.
Esse negro de família pobre, tornou-se Oficial de Chancelaria do Ministério das
Relações Exteriores, embaixador do Brasil em Helsinki e Finlândia e depois
procurador da República. Fez ainda, na França, onde conheceu as obras do
filósofo Michel Foucault, mestrado e doutorado em Direito Público, pela
Universidade de Paris-II. Tornou-se professor da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro. Lecionou na Universidade Columbia, em Nova York, e na Universidade
da Califórnia. Hoje presidente do Supremo Tribunal Federal.
Foucault tinha razão!
As estruturas sociais pressionam e incomodam as pessoas, geralmente
determinando suas condições psicossociais. Ao pressionar os indivíduos, a
sociedade tende a conduzi-los a enxergar o mundo de uma dada forma e,
consequentemente, a agir de uma determinada maneira. É ai que o indivíduo deve
ser o sujeito moral de suas próprias ações. As experiências de vida moldam, em
certa medida, nossas condutas. Crianças que vivem em ambientes sociais
degradantes tendem a reproduzir isso quando adulto. Vivendo, por exemplo, em um
lar violento, há uma forte tendência de que constitua um lar igualmente
violento. Filhos de dependentes químicos têm pré-disposição a serem dependentes
(não só por fatores genéticos).
Geralmente as condições
sociais ruins provoca nos jovens um estado de revolta. Alguns canalizam essa
revolta sobre a sociedade, culpando-a de seus males. Assim viram contraventores
das regras sociais, tornam-se “rebeldes”, caem no mundo das drogas e da
violência urbana... Por outro lado, outros revolta-se contra o seu estado, e
não contra a sociedade; entendendo que a aquela sua condição não é natural e,
portanto, passível de ser transformada; assim, busca incluir-se de melhor forma
no mundo, dedicando-se, por exemplo, aos estudos e a carreira profissional.
Isso que nosso jovens precisam entender! Não é revoltando-se contra o mundo e
contra as regras sociais que mudarão suas condições sociais, pelo contrário! É
isso que os professores e pais precisam esclarecer aos seus alunos e filhos
vitimados por suas condições sociais!
Certamente Joaquim
Barbosa é grato a sua mãe e a seus educadores que, ainda em tenra idade,
o ajudaram a compreender isso e a mudar o rumo de sua história... muito antes
de ler Michel Foucault.
Texto publicado originalmente na coluna do Jornal Correio Regional, 13 de D