sábado, 24 de julho de 2010

24/07 - Nascimento do poeta Solano Trindade, em Pernambuco / 1908





























Solano Trindade

Sarau do Querô festeja o Centenário do Nascimento de Solano Trindade

Por Luiza Delamare



Há muito para se descobrir sobre a vida e a arte de Solano Trindade: falar do poeta é evocar a arte dos afro-descentes brasileiros. Nascido em 24 de julho de 1908, aprendeu com o pai a magia da dança pastoril e do bumba-meu-boi. Com a mãe, para quem lia novelas, desenvolveu o gosto pela literatura. Ainda em sua cidade natal, fundou, em 1936, o Centro Cultural Afro-Brasileiro e a Frente Negra Pernambucana.

Solano virou poeta e expressou a negritude através da arte. Depois de passar por Belo Horizonte, MG, Pelotas, RS, e Rio de Janeiro, veio morar em São Paulo, no município do Embu. Ali, ajudado por outros artistas, transformou a cidade em centro de cultura popular e de reafirmação da cultura afro-brasileira. Com a arte e o artesanato que se espalhavam pelas ruas, a cidade ganhou outros contornos e deu origem ao novo nome do lugar, que passou a ser conhecido como Embu das Artes.

Raquel, primeira filha de Solano, mostra a importância do Embu na vida do pai ao dar continuidade ao trabalho do poeta em seu ateliê, localizado em uma rua comprida do centro da pequena cidade. Junto com filhos e netos, ela discute a situação do negro e fala do respeito às diferentes raças. Herdeira da sabedoria de Solano, Raquel se tornou preciosa fonte de conhecimento e vivência da cultura afro-brasileira.

?Se tem gente com fome, dá de comer?, diz o poeta do povo

Solano Trindade foi cidadão politizado e apontou problemas de desigualdade e injustiça na vida social brasileira. No debate da questão racial no país, tornou-se precursor. Ao longo da vida se envolveu com a poesia, as artes plásticas, o teatro e o folclore. Mas foi, sobretudo, o poeta do povo.

Pouco conhecido do grande público, sua poesia foi comentada por Carlos Drummond de Andrade, que via nos versos de Solano ?uma força natural e uma voz individual rica e ardente que se confundia com a voz coletiva?. Foi celebrado também por Ney Matogrosso, que musicou o poema ?Tem gente com fome? ainda nos tempos do grupo Secos & Molhados, mas só pôde incluí-la em seu disco após a queda da censura.

A comemoração do centenário do nascimento de Solano Trindade é a melhor oportunidade para festejar em grande estilo a cultura popular. Essa é a proposta da Associação Cultural do Morro do Querosene, que na sexta edição do Sarau do Querô, homenageia a produção artística de Solano Trindade na sede do Projeto Treme Terra.

Nada mais adequado, o Sarau do Querô, espaço aberto para que músicos, poetas e dançarinos mostrem seus trabalhos através de intervenções livres, relembra a atividade que Solano desenvolveu durante a vida inteira: divulgar as diversas formas de arte.

Faz parte também das comemorações o lançamento de três livros de Solano Trindade pela editora Nova Alexandria: Poemas Antológicos de Solano Trindade, com ilustração de Raquel Trindade; Tem Gente com Fome, adaptado para o público infantil, e Canto Negro.

Leia a seguir um pouco do pensamento de Solano Trindade na voz de sua filha Raquel

Portal RAIZ.: Qual é o significado da comemoração do centenário de Solano Trindade?

Raquel Trindade: Para mim, as comemorações do centenário são muito importantes porque eu acompanhei a luta dele. E aí vejo que frutificou a semente que ele plantou. Inclusive, você vê que eu continuei o trabalho. Agora estão aí meu filho e meus netos. A coisa vai e não pára. E isso está bem dentro do poema que ele diz: ?Só morrerei depois de amanhã?. Então é muito importante porque eu, como companheira de luta dele, vi que valeu pesquisar na fonte de origem e devolver ao povo em forma de arte. O que ele fazia é o que a gente está fazendo.

Portal RAIZ.: luta pela igualdade racial foi muito importante na vida de seu pai. Como você absorveu isso dele?

Raquel Trindade: O Brasil é um país muito preconceituoso, mas papai me falava também dos negros conscientes, dos brancos sem preconceito. Dizia que eu não podia generalizar. Desde menina eu sei que a gente tem que ter cuidado. A gente sabe que tem o preconceito, sabe que tem a discriminação e que isso independe de setores da sociedade. Tem preconceito nos pobres, nos ricos. Mas também têm pobres e ricos brancos que não são preconceituosos. Todos anseiam melhorar culturalmente, mas alguns têm oportunidade e outros, não. Ele também me ensinou muito sobre a resistência, a resistir mesmo com os obstáculos que a gente enfrenta, principalmente, com a arte.

Portal RAIZ.: Como está a questão da discriminação atualmente? Você diria que hoje preconceito acontece de forma mais sutil?

Raquel Trindade: A discriminação continua muito forte, mas a luta também é grande. O negro está mais organizado, está se organizando em muitas entidades. E tem também uma juventude branca muito interessada na cultura negra. Inclusive no meio universitário e na imprensa, é preciso que existam esses jovens com uma grande visão das coisas e que apóie a gente.



Existem vários tipos de preconceito. Por exemplo, eu sou negra, nordestina, artista popular, pobre e ?candomblezera?. Quando a gente fala das religiões de matrizes africanas, as pessoas ainda têm muito preconceito, e não tem nada de mau. Exu não é o diabo. Ele é meio humano, meio divino. Os orixás são energias da natureza. Existe um preconceito muito grande contra o nordestino, e eu sou pernambucana. Existe um preconceito muito grande com a mulher, eu sou mulher, graças a Deus! E existe o preconceito contra o pobre. Por exemplo, eu vivo simplesmente, aí a pessoa vem comprar um quadro e, quando vê que minha casa é muito simples, não quer pagar o preço que o quadro vale. Então isso é preconceito contra o pobre. A discriminação é muito forte.

Portal RAIZ.: De que maneira você acha que a educação pode diminuir a barreira que ainda existe entre negros e brancos? Qual é o espaço que há para a cultura negra nas escolas?

Raquel Trindade: Hoje tem uns meninos aqui na comunidade que estão na quinta série e não sabem nada de geografia, não sabem nada de história. Quer dizer, estão tentando melhorar, mas ainda não acharam um caminho. Agora, a cota é necessária por causa da discriminação. Se não houvesse a discriminação, não precisava ter as cotas. Só que também tem uma coisa: se o aluno não é preparado desde o ensino fundamental, principalmente a criança negra e pobre, que precisa estudar em uma escola pública, a escola tinha que estar mais forte e os professores mais preparados. A maioria dos professores não sabe nada sobre o Brasil nem sobre a nossa história, sabe só superficialmente. Agora com essa lei da cultura negra nas escolas, eu estou muito preocupada, porque seria muito bom se as pessoas que fossem ensinar conhecessem de fato a cultura negra. Eu estou vendo muitos erros, tem filmes dizendo que Zumbi era Xangô, sendo que ele era Zaze. Outra coisa: como que você vai dar uma aula de cultura negra sem conhecer as religiões de matriz africana em uma escola onde a maioria é evangélica ou católica? Aqui no Embu teve o caso de uma menina que teve que passar pelo ritual de candomblé e tinha de andar de turbante e as outras crianças a ridicularizaram. E a professora não tinha como defendê-la, porque também não conhece nada e suspendeu a menina. Quer dizer, isso é um horror, ainda falta muita coisa.

Portal RAIZ.: A cultura popular ainda é vista apenas como curiosidade?

Raquel Trindade: É, é vista como curiosidade Os grupos de cultura popular deviam ter muito mais apoio. Se eles não estiverem organizados com muito papel e com muita burocracia, não conseguem um tostão, porque se exige muita papelada? Aqui eu tenho sorte porque tenho amigos que me orientam com essas coisas. Mas a maioria dos grupos populares não tem essa condição, não tem dinheiro para ficar tirando papel um atrás do outro. São exigidas muitas coisas para se conseguir verba. Existem universitários que fazem grupos de danças populares e conseguem o incentivo, mas os grupos raízes mesmo não conseguem.

Portal RAIZ.: Você poderia contar um pouco das lembranças do convívio com seu pai?

Raquel Trindade: As lembranças são muito boas, ele era um pai maravilhoso, dava muita atenção para nós, crianças. Com 8 anos ele me levava para ver exposições de arte, me levava na Pinacoteca, no Teatro Municipal. Ele gostava de música popular, mas também gostava de música erudita. Ele me levava para conhecer o balé-afro da Mercedes Batista. Depois me levava para assistir à orquestra afro-brasileira do Abigail Moura. Minha mãe e ele iam ensinar dança no Teatro Folclórico do Aroldo Costa e, depois que mudamos para Duque de Caxias, ele fazia festas com muito folclore, com muita arte. Ele conversava muito comigo sobre discriminação racional. Dizia que eu devia ter orgulho de ser negra, mas que eu devia ser amiga de todas as raças. E também falava dos problemas do povo. Na década de 50, ele já falava do direito da criança, porque naquela época as crianças apanhavam muito e ele era contra isso. Ele brincava com a gente ? era fantástico! ? e falava de poesia. Eu era testemunha das reuniões da célula Tiradentes, que era do Partido Comunista. Eu ouvia sobre a classe operária, e minha mãe, que era presbiteriana, servia cafezinho para os comunistas. Também lembro que ele se reunia em um bar chamado Vermelhinho. Onde se encontravam intelectuais, militantes de esquerda, poetas, atores. E eu, desde criança, tinha contato com essa gente toda: Aldemir Martins, a pintora Djanira. Meu pai criou junto com a minha mãe, Margarida da Trindade, e o sociólogo Edson Carneiro, o Teatro Popular Brasileiro. Viajamos por toda a Europa.

Mesmo na adolescência, eu acompanhava muito meu pai. A gente ia pra tudo quanto era lugar, a gente era companheiro mesmo. Eu via muita arte através dele, muita poesia. E via, principalmente, a luta dele.

Mais Informações: (11) 3721 2577

Fonte: saudoquero

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