O RACISMO ESTÁ CRESCENDO
O relator da ONU encarregado de avaliar a discriminação no mundo, Doudou Diène, diz que o preconceito é cada vez maior em muitos países e que no Brasil ele está profundamente arraigado em toda a sociedade
POR DAYANNE MIKEVIS
FOTOS: EDU MORAES
Doudou: "A discriminação é o pilar ideológico deste hemisfério" |
Raça - O senhor está há quatro anos na função e já visitou diversos países. Como está o racismo no mundo?
Doudou Diène - Há um recrudescimento do racismo. Nos últimos anos ocorreram três conferências internacionais para combate ao racismo. A última foi a de Durban, e uma convenção internacional foi feita. Apesar disso, atos de racismo ocorrem em todos os continentes e se traduzem em violência. Estamos assistindo à legitimação intelectual do racismo de uma forma que não víamos alguns anos atrás. Samuel Huntington, professor da Universidade Harvard, publicou recentemente o livro Where Are We? ("Onde estamos?"), cuja tese principal é que a presença dos latinos na América do Norte é uma ameaça à cultura norte-americana. É um livro de muitas páginas, que legitima a discriminação da população latina nos Estados Unidos. Portanto, vemos que o bicho está saindo da floresta. Criou-se um ambiente no qual essas coisas podem ser ditas agora. O combate ao terrorismo, que é legítimo, acabou justificando a discriminação contra certos grupos. Tudo isso leva a pensar que a discriminação racial e a xenofobia são as ameaças mais graves aos princípios democráticos. É cada vez maior o número de agremiações políticas que adotam discursos racistas. Na Europa, alguns partidos xenófobos vêm obtendo 15%, 20% dos votos. Isso é muito grave.
"QUANDO O MAPA DA ORGANIZAÇÃO SOCIAL E POLÍTICA COINCIDE COM O MAPA DAS ETNIAS MARGINALIZADAS, É SINAL DE UM RACISMO ESTRUTURAL PROFUNDO" |
Há racismo no Brasil?
Recebi dois tipos de resposta. No documento que o Brasil assinou em 2001, na última conferência internacional contra o racismo, realizada em Durban, na África do Sul, o presidente Fernando Henrique Cardoso reconhecia a realidade do racismo. Em contrapartida, encontrei alguns dirigentes estaduais e federais, que relativizam a realidade e a importância do racismo, com base no argumento ideológico da democracia racial. Notei uma grande diferença entre o reconhecimento do racismo pelos aparelhos de Estado e a vontade manifesta de combatê-lo, quando não a própria negação de parte de algumas autoridades. Todas as comunidades com que me encontrei no Brasil - com exceção da japonesa em São Paulo - expressaram com grande dor e sofrimento a profundidade do racismo. A discriminação constitui o pilar ideológico deste hemisfério, e isso inclui o Brasil. Tendo em conta que o país recebeu 40% da população escrava no mundo, ele foi marcado por essa herança. O racismo é uma construção que tem uma extensão intelectual muito intensa, que impregnou a mentalidade das pessoas. Portanto, tiro duas conclusões preliminares sobre a pergunta. Uma é que o racismo certamente existe no Brasil e a outra é que ele tem uma dimensão histórica considerável.
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